ARRITMIAS CARDÍACAS E SUA RELAÇÃO COM O TRABALHO...
CONCEITO: As arritmias cardíacas constituem um grupo de anormalidades do ritmo cardíaco que podem ser classificadas em distúrbios da formação de impulsos, distúrbios da condução de impulsos ou ainda pela combinação dos dois mecanismos eletrofisiológicos.
As arritmias podem cursar assintomáticas. A capacidade de percepção da arritmia varia de pessoa para pessoa. A principal manifestação é a palpitação, que pode aparecer sem que nenhum distúrbio do ritmo cardíaco seja identificado. Dependendo da repercussão hemodinâmica, pode ocorrer hipotensão arterial, tonteira, síncope e insuficiência cardíaca congestiva. A morte súbita pode sobrevir após o desencadeamento de taquiarritmias ventriculares, frequentemente, relacionadas à doença isquêmica do coração.
A anamnese e o exame físico são úteis na suspeição e na detecção das arritmias e no diagnóstico da cardiopatia subjacente. O eletrocardiograma de repouso e a monitorização ambulatorial pelo Holter são os exames básicos para a confirmação do diagnóstico. Os estudos eletrofisiológicos invasivos são usados em casos especiais para determinar o diagnóstico e o mecanismo eletrofisiológico envolvido.


A exposição ocupacional a substâncias tóxicas pode desencadear arritmias cardíacas, em alguns casos com mecanismos fisiopatológicos bem definidos. A intoxicação pelo monóxido de carbono prejudica o transporte de oxigênio pelo sangue e diminui a sua liberação tissular produzindo hipóxia.

A hemólise maciça, causada pela arsina, produz hipercalemia e suas alterações eletrocardiográficas características, podendo resultar em parada cardíaca. Entre as alterações eletrocardiográficas já encontradas notam-se distúrbios de condução, bloqueios atrioventriculares de vários graus e assistolia (Benowitz, 1990; Benowitz, 1992).

Numerosos casos de arritmias cardíacas e morte súbita, presumivelmente devido a arritmias, têm sido descritos em pessoas expostas a solventes e propelentes no ambiente de trabalho (Bass, 1970; Rosenman, 1984; McCunney, 1988; Robinson, Kuller e Perper, 1988; Benowitz, 1992). Foram descritos dois casos de fibrilação atrial e um caso de morte súbita em trabalhadores expostos a trifluorotricloroetano. Este agente e os hidrocarbonetos halogenados são usados como solventes industriais e estão associados a arritmias ventriculares e morte súbita após inalação em concentrações excessivas (Kaufman et al, 1993).

Vários solventes, especialmente os hidrocarbonetos halogenados, podem causar algum grau de sensibilização miocárdica aos efeitos da epinefrina. (Hoffmann et al, 1994). Alguns autores acham que esta sensibilização decorre de um efeito depressor no automatismo cardíaco, levando a uma incapacidade do sistema de condução de aumentar a frequência cardíaca, favorecendo o aparecimento de focos ectópicos (Smith et al, 1962).
O fato é que a quantidade de epinefrina necessária para produzir taquicardia ou fibrilação ventricular é menor, quando existe a exposição a baixas doses de solventes e propelentes. Este mecanismo é provavelmente a causa mais importante de toxicidade cardiovascular da exposição ocupacional aos solventes, que podem causar arritmias fatais em seres humanos expostos a doses elevadas (Xiao e Levin, 2000).

Indivíduos intoxicados por solventes e propelentes podem apresentar palpitações, síncope, hipotensão arterial e arritmias cardíacas. Convulsões, coma e parada cardíaca ocorrem em casos de intoxicação grave. Trabalhadores cardiopatas e que apresentam doença pulmonar crônica com hipoxemia são mais suscetíveis aos efeitos arritmogênicos destas substâncias.
Entre as arritmias descritas, incluem-se: contrações atriais e ventriculares prematuras, taquicardia supraventricular, taquicardia ventricular recorrente, extra-sístoles ventriculares e supraventriculares, fibrilação atrial, fibrilação ventricular, bradicardia sinusal, bloqueios atrioventriculares e assistolia (Benowitz, 1990; Gasakure e Massin, 1991; Benowitz, 1992). Como um dos mecanismos de arritmia é devido às ações das catecolaminas, as drogas de escolha para o tratamento das taquiarritmias são os bloqueadores beta-adrenérgicos.
O diagnóstico da intoxicação por inseticidas organofosforados e carbamatos é feito através da anamnese e a confirmação laboratorial é feita pela dosagem da acetilcolinesterase. Resulta em acúmulo de acetilcolina, podendo provocar taquicardia decorrente da estimulação de receptores nicotínicos ou bradicardia secundária à estimulação de receptores muscarínicos.

A intoxicação por organofosforados pode precipitar arritmias ventriculares complexas, um aspecto frequentemente negligenciado e potencialmente letal dessa condição. Os efeitos agudos consistem em alterações eletrocardiográficas do segmento ST-T e distúrbios da condução AV de graus variados, enquanto que os efeitos tardios incluem o prolongamento do intervalo QT, taquicardia polimórfica (Torsades de pointes) e morte súbita cardíaca.
O acompanhamento cardiológico dos pacientes intoxicados por organofosforados durante períodos relativamente longos após a intoxicação e o tratamento agressivo e precoce de arritmias podem ser a chave para a melhor sobrevivência (Bar-Meir et al, 2007). Outras alterações descritas são fibrilação atrial e infradesnivelamento do segmento ST (Namba et al, 1970), alterações de repolarização e BAV 1º grau (Ludomirsky et al, 1982; Benowitz, 1990).
O uso terapêutico de compostos antimoniais para tratamento de infecções parasitárias provoca, entre outros efeitos colaterais, alterações eletrocardiográficas (mais comumente alterações de onda T e prolongamento do intervalo QT), e pode ter causado morte súbita em alguns pacientes (Benowitz, 1990; Benowitz, 1992). Em trabalhadores expostos ao trissulfeto de antimônio, casos de morte súbita e alterações eletrocardiográficas também já foram descritos (Rosenman, 1984; Gasakure e Massin, 1991; Benowitz, 1992). A reavaliação algum tempo depois, de alguns trabalhadores expostos ao antimônio, nos quais foram encontradas alterações eletrocardiográficas e foi cessada a exposição, verificou que, em 21% deles, as alterações persistiam (Kristensen, 1989; Gasakure e Massin, 1991). O antimônio causa, basicamente, distúrbios da condução, distúrbios da repolarização e distúrbios do ritmo cardíaco (Rosenstock e Cullen, 1986; Gasakure e Massin, 1991).

Os protocolos de procedimentos médico periciais em doenças profissionais e do trabalho, elaborados pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, consideram que entre as arritmias cardíacas relacionadas com o trabalho que poderiam ser classificadas no Grupo I Schilling (trabalho como causa necessária), estariam aquelas que ocorrem em exposições ocupacionais bem definidas, como é o caso das substâncias químicas tóxicas acima mencionadas. A monitorização eletrocardiográfica de 24 horas (Holter) durante a jornada de trabalho é um instrumento útil para o diagnóstico de arritmia cardíaca relacionada ao trabalho, devendo ser feita concomitantemente com a monitorização ambiental e biológica da substância suspeita de exposição ocupacional.
PCR é definida como a interrupção súbita da atividade mecânica ventricular, útil e suficiente, e da respiração. Caracteriza-se pela abrupta perda da consciência secundária à cessação do fluxo sanguíneo cerebral. A morte encefálica ocorre quando há lesão irreversível do tronco e do córtex cerebral, por injúria direta ou falta de oxigenação, por um tempo, em geral, superior a 4 minutos, em adultos, em condições de normotermia.
Quando o evento inicial é a parada cardíaca, movimentos respiratórios podem persistir por um ou dois minutos. Na parada respiratória secundária à obstrução das vias aéreas por corpo estranho, a vítima apresenta cianose, podendo manter-se consciente e com batimentos cardíacos e pressão arterial preservados por alguns minutos. Nesse caso, a desobstrução das vias aéreas e o suporte ventilatório pode ser tudo o que o paciente necessita para se recuperar.

A PCR pode estar diretamente relacionada ao trabalho nos casos de intoxicações agudas e eletrocussão. Os acidentes provocados pela eletricidade constituem parcela importante entre os acidentes do trabalho, devido ao potencial de gravidade das queimaduras, arritmias graves e parada cardíaca. Os trabalhadores de alto risco são os eletricitários, operadores de máquinas elétricas e industriários.

Após uma eletrocussão podem ocorrer ectopias atriais e ventriculares, taquicardia sinusal, bradicardia, alterações do segmento ST, achatamento ou inversão da onda T, distúrbios da condução, isquemia miocárdica, infarto não Q, corrente de lesão, fibrilação ventricular, torsades de pointes, edema agudo dos pulmões, embolia cerebral ou pulmonar e parada cardíaca. Após a recuperação, a vítima deve ser observada com a monitorização do ritmo cardíaco durante 48 a 72 horas (Oliveira e Silva, 1998).
Entre as substâncias tóxicas cuja intoxicação grave pode cursar com parada cardiorrespiratória estão os solventes (Kaufman et al, 1993), o monóxido de carbono e outros agentes potenciais causadores de arritmias cardíacas. Além disso, a PCR pode ocorrer no ambiente de trabalho, independentemente de estar ou não relacionada com ele. A equipe de saúde ocupacional deve estar preparada para o atendimento dessa emergência e deve treinar os trabalhadores nos procedimentos básicos de reanimação cardiorrespiratória durante o programa de treinamento em primeiros socorros.
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